Álcool | Existe consumo seguro?

Uma das substâncias psicoativas mais amplamente consumidas no mundo é o álcool, sendo ingerido por quase 40% da população global. No Brasil, essa estimativa é ainda mais expressiva, atingindo cerca de 50% da população, dos quais 17% (equivalente a 11,7 milhões de pessoas) apresentam transtornos relacionados ao uso dessa substância. 

O álcool contribui para mais de 5% da carga global de doenças e lesões, aumentando o risco de desenvolvimento de mais de 200 condições, incluindo cirrose hepática e alguns tipos de câncer. Além disso, está associado à violência e a acidentes. Anualmente, ocorrem mais de três milhões de mortes relacionadas ao álcool em todo o mundo, o que representa mais de 5% de todas as mortes, equivalendo a um óbito a cada dez segundos.

Contudo, a pergunta crucial emerge: seria possível estabelecer um consumo seguro de álcool? A resposta, conforme destacado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é um claro e incisivo NÃO. Essa conclusão não é fruto de mera arbitrariedade; ao contrário, é o desfecho de estudos abrangentes e meticulosos realizados em escala global, desafiando a disseminada crença de que "uma tacinha de vinho faz bem para o coração". Nesse cenário, as mensagens frequentemente disseminadas pela indústria do álcool, como "aprecie com moderação", revelam-se potencialmente problemáticas. Isso se deve à inegável associação entre uma parcela considerável dos danos causados pelo álcool e seu consumo agudo, evidenciado por envolvimento em acidentes automotivos, participação em episódios de violência, exposição a riscos morais e aumento da propensão a infecções sexualmente transmissíveis, entre outros exemplos.

Corroborando essa premissa, um estudo global publicado na respeitável revista científica The Lancet em 2018 determinou que não existe uma quantidade segura para o consumo de álcool. As supostas vantagens relacionadas às doenças cardíacas são superadas pelos malefícios, como o aumento do risco de câncer, lesões e doenças infecciosas.

Apesar disso, para os adultos que optam por consumir álcool, existem algumas recomendações (questionáveis) baseadas em evidências para reduzir o risco de danos. A máxima é clara: quanto menos se bebe, menor o risco. Segundo a OMS, os homens não devem exceder 21 unidades de álcool por semana, enquanto as mulheres não devem ultrapassar 14 unidades. Cada unidade equivale a 10g de álcool e, diferentes bebidas possuem variações no número de unidades de álcool, dependendo da concentração alcoólica. Por exemplo:

  • Cerveja (5% de concentração alcoólica): 1 lata (350 ml) contém 1,7 unidades.
  • Vinho (12% de concentração alcoólica): 1 cálice (90 ml) contém 1,1 unidade.
  • Destilados (40% de concentração alcoólica): 1 dose (35 ml) contém 2,0 unidades.

Isso implica que os homens não devem exceder 19 latas de cerveja, 12 cálices de vinho ou 10 doses de destilados por semana, enquanto as mulheres não devem ultrapassar 8 latas de cerveja, 12 taças de vinho ou 7 doses de destilados por semana, respeitando a restrição de doses diárias.

Apesar dessas diretrizes, evidências emergentes sugerem que mesmo consumir dentro desses limites (menos de 1 bebida por dia) pode aumentar o risco geral de morte por várias causas, incluindo diversos tipos de câncer e algumas formas de doença cardiovascular. Você pode calcular o risco do seu consumo inserindo suas informações em uma calculadora eletrônica disponível  AQUI (https://aps.bvs.br/apps/calculadoras/?page=8#:~:text=A%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20de%20Sa%C3%BAde,unidades%20de%20%C3%A1lcool%20para%20mulheres)

Adicionalmente, é possível identificar o bebedor excessivo episódico, caracterizado por consumir mais da metade do número recomendado de unidades de álcool em uma única ocasião. É importante destacar que muitas pessoas podem enfrentar problemas relacionados ao uso de álcool mesmo sem atender aos critérios diagnósticos para uso nocivo.

Uma abordagem rápida para avaliar o abuso e a dependência de álcool é através de um teste de quatro questões:

  1. Alguma vez sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber?
  2. As pessoas o(a) aborrecem porque criticam o seu modo de beber?
  3. Sente-se culpado/chateado consigo mesmo pela maneira como costuma beber?
  4. Costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca?

Se respondeu positivamente a duas ou mais perguntas, seu consumo de álcool pode ser problemático, e é recomendável procurar atendimento especializado. Em última análise, a reflexão sobre os impactos do consumo de álcool revela-se essencial para preservar nossa saúde física e mental. Se você identifica sinais de um relacionamento problemático com o álcool, lembre-se: buscar ajuda é um passo corajoso em direção ao bem-estar. A jornada para uma vida mais equilibrada e saudável começa com o reconhecimento, e profissionais especializados estão prontos para oferecer o suporte necessário. Não hesite em procurar auxílio, pois a mudança positiva está ao alcance de quem busca.

 

Referências

 

Center for disease control and prevention. Disponível em: https://www.cdc.gov/alcohol/fact-sheets/moderate-drinking.htm

GBD 2016 Alcohol Collaborators (2018). Alcohol use and burden for 195 countries and territories,1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet (London,England), 392(10152), 1015–1035. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31310-2

Krill, P. R., Johnson, R., & Albert, L. (2016). The Prevalence of Substance Use and Other MentalHealth Concerns Among American Attorneys. Journal of addiction medicine, 10(1), 46–52.https://doi.org/10.1097/ADM.0000000000000182

Soibelman M, Luz JE, Von Diemen L. Problemas relacionados ao consumo de álcool. In: Duncan BB,Schmidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas emevidências. 3a ed. Porto Alegre: ArtMed, 2004. p. 539-50.

World Health Organizatiom. Dozponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/alcohol