Álcool | A Sombra da Glamourização Encobre a Realidade da Doença

A associação do consumo de álcool a situações festivas, relaxantes ou comemorativas é algo praticamente automático na cultura brasileira. Desde a infância, somos expostos a mensagens que promovem a ideia de que beber é algo positivo. Essa percepção começa com exemplos próximos, como nossos pais, e é reforçada por propagandas, programas de televisão, filmes e músicas que retratam pessoas bonitas, alegres e bem-sucedidas consumindo álcool em momentos sociais. Até mesmo letras de músicas de renomados artistas nacionais descrevem o álcool como um meio de entretenimento ou, ao contrário, como uma estratégia para lidar com emoções difíceis, como o término de um relacionamento. Dessa forma, a glamourização do álcool é consolidada, reservando-lhe um papel central em diversas ocasiões, desde comemorações até velórios.

Contrapondo essa glamourização, é pouco discutido que o álcool é uma droga lícita que pode levar à dependência, resultando em desfechos trágicos. Do ponto de vista epidemiológico, o álcool é responsável por mais de 5% da carga global de doenças e lesões. O consumo aumenta o risco de desenvolver mais de 200 doenças, incluindo cirrose hepática, doenças cardiovasculares e câncer, além de estar associado à violência e a acidentes de trânsito, uma das principais causas de mortes entre jovens. Globalmente, estima-se que o álcool seja responsável por 5% de todas as mortes, o que equivale a três milhões de óbitos a cada ano, ou uma a cada 20 mortes. Do ponto de vista psiquiátrico, o uso de álcool quadruplica o risco de desenvolvimento do transtorno de ansiedade generalizada, triplica o risco de transtornos do humor e duplica o risco de transtornos de ansiedade, pânico e estresse pós-traumático. Mesmo sem a ocorrência de tolerância ou abstinência, o uso abusivo de álcool pode aumentar os níveis de ansiedade e depressão.
Metade da população brasileira consome bebidas alcoólicas, e aproximadamente 10% (alguns estudos falam em até 17%) dos homens e 3,6% das mulheres apresentam critérios para dependência, indicando um cenário grave que pode ter piorado após a pandemia. Uma pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde revelou um aumento significativo no consumo de álcool durante o período de crise. Os reflexos dessa tendência já são evidentes, com um aumento de 11% nos atendimentos para transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas no Sistema Único de Saúde Brasileiro em 2021, principalmente entre adultos jovens. Apesar disso, os riscos muitas vezes são minimizados, perpetuando a falsa ideia de que o uso problemático está restrito a pessoas sem controle ou força de vontade. Outra preocupação é a precocidade do consumo de álcool por crianças e adolescentes, uma prática extremamente danosa, uma vez que o cérebro ainda não está totalmente desenvolvido.
Se você acredita que o consumo de álcool pode estar prejudicando você, responda a estas quatro perguntas do Questionário CAGE:
C – (cut down) – Alguma vez sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber? 0 – ( ) não 1 – (✔) sim
A – (annoyed) – As pessoas o (a) aborrecem porque criticam o seu modo de beber? 0 – ( ) não 1 – (✔) sim
G – (guilty) – Sente-se culpado (a) pela maneira como costuma beber? 0 – ( ) não 1 – (✔) sim
E – (eye opened) – Costuma beber pela manhã (ao acordar) para diminuir o nervosismo ou a ressaca? 0 – ( ) não 1 – (✔) sim
Se duas ou mais questões foram respondidas afirmativamente, considere procurar um profissional de saúde para conversar sobre seu padrão de consumo. A conscientização sobre os riscos é crucial, pois muitas vezes o uso problemático é minimizado. Se você acredita que o álcool pode estar prejudicando sua vida, não subestime a importância de procurar ajuda profissional. A dependência não se estabelece da noite para o dia, mas ao longo do tempo. A conscientização e a busca de tratamento são passos fundamentais para superar os desafios relacionados ao álcool, promovendo uma vida mais saudável e equilibrada.

Referências

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